Petição para investigação de possíveis violações legais no Concurso Público Nacional Unificado para o cargo de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG)

1. Introdução  

O presente documento tem como objetivo realizar uma análise técnico-jurídica do concurso público para o cargo de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), autorizado pela PORTARIA MGI Nº 3.761, de 18 de julho de 2023, com ênfase nas inconformidades identificadas na condução do certame. Estas inconformidades envolvem, principalmente, a fragmentação do concurso em sete blocos distintos, cada qual com edital próprio, e a aplicação de critérios desiguais entre os editais para a avaliação da prova discursiva. Essa análise parte do pressuposto de que os concursos públicos devem observar rigorosamente os princípios constitucionais, em especial os da isonomia, legalidade, publicidade e eficiência, bem como o respeito à vinculação ao edital, como exigido pelo art. 37 da Constituição Federal e pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para embasar a argumentação, serão analisados o histórico do cargo de EPPGG, as normas aplicáveis, o contexto do concurso de 2024 e suas fragilidades, bem como precedentes jurisprudenciais e doutrinários relevantes. Ao final, serão apresentados pedidos concretos ao Ministério Público Federal (MPF), com vistas à tutela dos direitos dos candidatos e à promoção da legalidade e moralidade administrativa.  

2. O Cargo de EPPGG: Histórico e Relevância Estratégica  

O cargo de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) foi instituído pela Lei nº 7.834/1989, com o objetivo de criar uma carreira de alta especialização para atuar na formulação, gestão e avaliação de políticas públicas no âmbito federal. A regulamentação das atribuições e do funcionamento da carreira está disciplinada pelo Decreto nº 5.176/2004, que destaca a natureza estratégica das funções desempenhadas pelos EPPGGs.

O caráter único e especializado do cargo exige que o processo seletivo seja conduzido com extremo rigor técnico, garantindo a seleção de profissionais altamente qualificados. Além disso, a unidade das atividades desempenhadas pelos EPPGGs reforça a necessidade de tratamento isonômico e uniforme entre os candidatos durante o processo de ingresso, o que, como se verá adiante, foi comprometido no concurso de 2024.

Os EPPGGs desempenham papel central na administração pública, ocupando posições de alta relevância em áreas estratégicas. A transversalidade do cargo exige formação de nível superior em qualquer área do conhecimento, como forma de atrair perfis diversos e qualificados.

Ao longo de sua história, o cargo sempre foi visto como um perfil generalista, no qual as competências dos aprovados deveriam ser adaptáveis às múltiplas demandas da gestão pública. Nesse contexto, concursos anteriores adotaram provas de caráter amplo, sem segmentação em áreas temáticas específicas, a fim de garantir o atendimento à natureza generalista do cargo.  

3. Contexto do Concurso de 2024 e Identificação de Inconformidades

O concurso de 2024 foi organizado com 150 vagas divididas em sete blocos temáticos, conforme detalhado no quadro abaixo:

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3.1 Fragmentação temática e impacto na concorrência

Embora o cargo permita a inscrição de candidatos com qualquer formação de nível superior, a segmentação temática gerou barreiras artificiais:

·                     Restrição à escolha de um único bloco: Os candidatos foram obrigados a optar por apenas uma área temática, mesmo que suas qualificações fossem compatíveis com múltiplos blocos. Essa limitação comprometeu a plena concorrência, especialmente em blocos com poucas vagas, como os Blocos 1, 3 e 4.

·                     Desequilíbrio na oferta de vagas: A concentração de 53% das vagas no Bloco 7 favoreceu candidatos com perfil generalista, enquanto os demais blocos, com maior especialização temática, restringiram as possibilidades de aprovação.  

3.2 Divergências nos critérios de avaliação

Além da segmentação temática, as provas discursivas apresentaram diferenças no número mínimo de linhas exigido para cada bloco:

·                     30 linhas mínimas no Bloco 5.

·                     35 linhas mínimas nos demais blocos.

Essa diferenciação, não justificada nos editais, representa uma quebra de isonomia, visto que todos os candidatos deveriam ser avaliados sob os mesmos parâmetros.  

3.3 Desvios de isonomia e transparência O concurso violou o princípio da isonomia (art. 5º, CF), ao criar critérios diferenciados de avaliação e restringir a ampla concorrência. Ainda, descumpriu o Decreto nº 9.739/2019, que exige clareza, objetividade e uniformidade nos critérios de seleção, prejudicando a transparência do certame.

Conforme o Decreto nº 9.739/2019, temos:  

Elementos essenciais do edital

Art. 42.  Deverão constar do edital de abertura de inscrições, no mínimo, as seguintes informações:

XV - a quantidade de etapas do concurso público, com indicação das respectivas fases, seu caráter eliminatório ou eliminatório e classificatório e indicativo sobre a existência e as condições do curso de formação, se for o caso;

XVIII - a explicitação detalhada da metodologia para classificação no concurso público;    

3.4 Exigências de conhecimentos específicos por bloco

Cada bloco do concurso exigiu conteúdos especializados, alinhados a áreas de atuação específicas, conforme detalhado abaixo:

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Implicações Jurídicas

A exigência de conteúdos tão distintos pode ser analisada sob o princípio da razoabilidade e o princípio da eficiência (art. 37, caput, CF). Segundo o jurista José dos Santos Carvalho Filho, critérios de concursos devem ser claros e razoáveis, permitindo ampla concorrência, desde que compatíveis com as atribuições do cargo.

No caso, a especialização excessiva de alguns blocos pode limitar a igualdade de condições, enquanto blocos mais amplos (como o Bloco 7) favorecem candidatos de diversas formações, gerando desequilíbrio na disputa.  

4. Histórico de Irregularidades nos Concursos de EPPGG  

A condução de concursos para o cargo de EPPGG já apresentou irregularidades em certames anteriores, sendo o caso mais emblemático o cancelamento do concurso de 2013, por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU).  

4.1. Cancelamento do Concurso de 2013

Em 2013, o TCU constatou uma série de irregularidades no concurso de EPPGG, incluindo:

·                     Falta de clareza nos critérios de avaliação de "atividade gerencial";

·                     Pontuações desproporcionais em quesitos subjetivos;

·                     Participação de servidor com vínculo direto com a organização do concurso.

Essa decisão demonstrou a necessidade de maior rigor na fiscalização e organização dos certames, especialmente para garantir a observância dos princípios constitucionais e legais.  

5. Fundamentação Jurídica  

5.1. Princípios Constitucionais

O concurso público é regido pelos princípios da legalidade, isonomia, publicidade, eficiência e vinculação ao edital, previstos no art. 37 da Constituição Federal. A quebra de uniformidade entre os editais do concurso de 2024 viola frontalmente esses princípios.  

5.2. Decreto nº 9.739/2019

O Decreto determina que todos os critérios eliminatórios e classificatórios devem ser objetivos, claros e amplamente divulgados. A exigência diferenciada de linhas mínimas sem previsão clara no edital constitui afronta a essas disposições.  

5.3. Jurisprudência Relevante

1.             O edital é a lei do concurso, devendo ser rigorosamente seguido por candidatos e organizadores (STJ: AgInt no RMS 73955 / DF; AgInt no MS 30270 / DF; AgInt no RMS 73343 / DF; AgInt no RMS 71016 / MS).

2.            A jurisprudência do STF (RE 837311) ressalta que a Administração Pública deve exercer sua discricionariedade não apenas pela sua avaliação unilateral de conveniência e oportunidade, mas também respeitando os direitos fundamentais e as normas constitucionais. Regras dissonantes em um mesmo certame comprometem a isonomia e a vinculação ao edital, uma vez que violam o princípio da igualdade de condições e a transparência necessária para a confiança dos candidatos. O mesmo julgado enfatiza que a Administração Pública deve prover as vagas de maneira que melhor convier para o interesse da coletividade, observando as normas constitucionais. Critérios subjetivos ou introduzidos sem prévia divulgação no edital são nulos, pois não respeitam o princípio da transparência e a vinculação ao edital, comprometendo a legitimidade e a previsibilidade do processo seletivo.  

(...) O Estado Democrático de Direito republicano impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais normas constitucionais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade. 5. Consectariamente, é cediço que a Administração Pública possui discricionariedade para, observadas as normas constitucionais, prover as vagas da maneira que melhor convier para o interesse da coletividade, como verbi gratia, ocorre quando, em função de razões orçamentárias, os cargos vagos só possam ser providos em um futuro distante, ou, até mesmo, que sejam extintos, na hipótese de restar caracterizado que não mais serão necessários (STF - RE 837311 Repercussão Geral – Mérito (Tema 784). Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Julgamento: 09/12/2015, Publicação: 18/04/2016).  

3.            A jurisprudência do STF na ADI nº 7458 PB destaca que a discriminação arbitrária, como a concessão de bônus de 10% na nota aos candidatos paraibanos residentes na Paraíba, viola os princípios da isonomia e da impessoalidade. Regras dissonantes em um mesmo certame, que estabelecem critérios diferenciados sem justificativa válida, também configuram violação à isonomia e à vinculação ao edital, comprometendo a igualdade de condições entre os candidatos. A mesma jurisprudência reafirma que a imposição de critérios de distinção entre os candidatos é admitida apenas quando acompanhada da devida justificativa em razão de interesse público ou da natureza e das atribuições do cargo. Critérios subjetivos ou introduzidos sem prévia divulgação no edital são nulos, pois violam os princípios da impessoalidade e da igualdade perante a lei, vedando distinções arbitrárias de qualquer natureza.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONCURSO PÚBLICO. BÔNUS DE 10% NA NOTA AOS CANDIDATOS PARAIBANOS RESIDENTES NA PARAÍBA. LEI ESTADUAL Nº 12.753/23 - PB. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E DA ISONOMIA. OFENSA AOS ARTS. 5º, 19, II E 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. 2. Discriminação em razão da origem. Critério espacial que não se justifica como discrímen na busca à garantia do fortalecimento da identidade regional no que concerne aos certames da área de segurança pública estadual. 3. Os princípios da administração pública da isonomia e da vedação à desigualdade entre brasileiros são corolários da igualdade perante a lei, vedadas distinções de qualquer natureza ou preferências que ofendam àqueles que preencham os requisitos legais para a investidura em cargo ou emprego público. 4. A imposição legal de critérios de distinção entre os candidatos é admitida tão somente quando acompanhada da devida justificativa em razão de interesse público e/ou em decorrência da natureza e das atribuições do cargo ou emprego a ser preenchido. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei 12.753/2023, do Estado da Paraíba. (STF - ADI 7458 PB, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 11/12/2023, Publicação: 12/12/2023).    

6. Considerações Finais e Pedido ao MPF  

Diante das irregularidades constatadas, solicita-se que o MPF:

1.            Promova investigação detalhada sobre a fragmentação dos editais e a ausência de uniformidade nos critérios de avaliação do concurso de 2024.

2.            Ajuíze Ação Civil Pública (ACP) para anular ou revisar o concurso, corrigindo as violações de isonomia e legalidade identificadas.

3.            Adote medidas para prevenir a repetição de irregularidades em futuros concursos, exigindo maior rigor na elaboração e execução dos editais.  

A transparência e a legalidade no concurso público são essenciais para a seleção de profissionais qualificados e para a preservação dos direitos dos candidatos, razão pela qual se faz necessária a intervenção do MPF.


Antonio Oliveira da Costa    Contactar o autor da petição

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