Carta Aberta da Capoeira aos Gestores de Cultura do Estado da Bahia e dos Municípios que o compõem

 

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Carta Aberta aos Gestores da Cultura do Estado da Bahia e dos Municípios que o Compõem Ações Emergenciais da Lei Aldir BlancCapoeiristas da Bahia, considerando o atual contexto da pandemia da COVID-19, que paralisou as atividades simbólicas, sociais e econômicas que constituem a capoeira enquanto expressão cultural, reconhecida como Patrimônio Imaterial do Estado da Bahia, pelo decreto estadual nº 10.178/06; como Patrimônio Imaterial Brasileiro, pelo IPHAN; e como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, e em virtude da Lei n° 14.017/2020 - Lei Aldir Blanc, que dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública, decorrente da pandemia do novo Coronavírus, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, vêm, por meio da presente Carta Aberta, apresentar considerações para o processo de implementação da Lei nos âmbitos estadual e municipal, tendo como referência o Plano de Salvaguarda da Capoeira na Bahia.As necessárias medidas de contenção da disseminação da COVID-19, como o isolamento social e os decretos proibindo aglomerações, provocaram a paralisação das principais atividades que geram remuneração e garantem o sustento de muitos trabalhadores e trabalhadoras da capoeira.

Estamos falando de diversos mestres/mestras, contramestres, professores e instrutores que garantem boa parte do sustento das suas famílias através da participação em eventos, da realização de rodas e aulas e da comercialização de bens e produtos culturais, como instrumentos, só para citar um exemplo. Sendo assim o Conselho da Salvaguarda da Capoeira na Bahia, usando de suas atribuições, atendendo a urgente demanda provocada pela referida crise na saúde pública mundial, indica aos órgãos competentes municipais a necessidade de reconhecimento dos espaços de prática da capoeira como espaços culturais a serem contemplados com o que está previsto no inciso II da Lei Aldir Blanc. 

A pandemia dificultou a manutenção de muitos espaços culturais dedicados à capoeira, com e sem fins lucrativos. Diversas escolas estão fechadas há meses, sem qualquer rendimento para garantir a cobertura de despesas de custeio como aluguel, água, luz, telefone, internet, pagamento dos salários de colaboradores, manutenção de instrumentos e do espaço físico. Todavia, é importante salientar que além dos espaços físicos dedicados à capoeira, historicamente, boa parte dos grupos de capoeira organizam suas práticas em praças públicas, escolas, centros comunitários, academias de esportes e musculação e outros espaços cedidos e, mesmo não sendo esses espaços formais, são espaços culturais, tendo a suspensão das suas atividades impactado sobremaneira na permanência e na manutenção desses coletivos e grupos culturais. Neste sentido, se faz necessário considerar que o bem cultural, registrado nacionalmente pelo IPHAN, versa sobre o ofício dos mestres da capoeira que foi registrado no Livro dos Saberes, e da roda de capoeira registrada no Livro das Formas de Expressão, ambos realizados sem qualquer conexão direta com espaços físicos específicos.Conforme previsto no artigo 6, § 1º da Lei, ‘As entidades de que trata o inciso II do caput do art. 2º deverão apresentar autodeclaração, da qual constarão informações sobre a interrupção de suas atividades e indicação dos cadastros em que estiverem inscritas acompanhados da sua homologação, quando for o caso.’ 

No município de Salvador, sugerimos usar como ponto de partida as escolas e grupos de capoeira listados do documento “A Capoeira em Salvador: Registro de Mestres e Instituições”, organizado por Franciane Simplício, Alex Pochat e Nágila Diacuí, e publicado pela Fundação Gregório de Mattos como parte da Coleção Capoeira Viva. Porém, ressaltamos a necessidade de atualizar tal cadastro tendo em vista que o mesmo foi publicado em 2015 e muitos outros espaços culturais da capoeira foram consolidados nos últimos anos. De certo, todos estes coletivos e grupos culturais terão condições de comprovar, através de portfólios e autodeclarações, a atuação na área cultural e as consequências da interrupção de suas atividades em decorrência da pandemia.Não nos resta dúvidas que a correta aplicação da Lei de Emergencial Cultural Aldir Blanc é um desafio de toda sociedade, mas passa acima de tudo, pelo compromisso dos gestores culturais com a totalidade do segmento cultural, para que os recursos cheguem verdadeiramente aos fazedores de cultura de cada município que compõe o estado da Bahia. Como se trata de uma verba que visa mitigar os impactos negativos no setor, colocamos aqui a necessidade da sensibilidade da gestão em reconhecer a lógica diferenciada de organização da capoeira e suas necessidades.

Precisamos refletir também sobre a necessidade de ampliação dos recursos destinados à Capoeira, que historicamente tem sido pouco efetivo para contribuir para as demandas da área, o que pode ser verificado a partir de um rápido levantamento dos editais realizados pelo estado e pelas prefeituras nos últimos anos. Consideramos que é importante o fomento de ações ligadas a gestão, produção, formação, difusão e  valorização da capoeira e seus mestres.

A Salvaguarda da Capoeira na Bahia ratifica sua preocupação com a situação de todos e todas as capoeiristas da Bahia, principalmente aquelas e aqueles que não têm alcance das novas tecnologias e todos os recursos de que dispomos atualmente. Portanto, a iniciativa de elaboração desse documento tem como objetivo principal a garantia da assistência imediata à nossa comunidade tão pouco contemplada por políticas públicas eficientes. Ainda assim, contribuímos efetivamente para a construção de identidade cultural de um povo, tendo por base a resistência característica de uma manifestação de matriz africana que, além de tudo, é um grande instrumento de educação e cidadania, atuando, com suas práticas, no combate ao racismo, ao machismo e outras formas de discriminação e preconceitos disseminadas na sociedade e promovendo inclusão social.

Assinam este documento: Conselho Gestor da Salvaguarda da Capoeira na Bahia


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