Morar Em Lisboa - Carta Aberta

AO GOVERNO, AOS DEPUTADOS, AO MUNICÍPIO, AOS CIDADÃOS!

É cada vez mais difícil morar em Lisboa. Ao longo dos últimos anos assistimos a uma alteração profunda das dinâmicas habitacionais nas áreas metropolitanas do país. Uma drástica subida dos valores do arrendamento de habitação que tem levado à expulsão de população das áreas mais centrais da cidade, em conjunção com uma queda abrupta da oferta e com um aumento exponencial dos valores para aquisição de casa própria, tornaram o acesso à habitação em Lisboa privilégio de poucos e direito praticamente inacessível às famílias portuguesas.

Nos últimos três/quatro anos, os preços da habitação para arrendamento aumentaram entre 13% e 36%, e para aquisição subiram até 46%, consoante as zonas da cidade, de que resulta, estima-se, uma taxa de esforço com a habitação situada entre 40% e 60% do rendimento familiar, quando os padrões comuns aconselham uma taxa de esforço até 30%.

Os Signatários, reunidos nesta Carta Aberta expressam a sua profunda preocupação com esta situação, fruto do processo de gentrificação, associado e acelerado pelo pico de projeção internacional e por uma grande intensificação do turismo e do alojamento para fins turísticos que Lisboa atravessa, com a consequente pressão e especulação fundiária e imobiliária.

Consideram que para este processo tem contribuído decisivamente a intervenção do Estado, pelo desenho e uso de instrumentos legais e financeiros destinados ao apoio do investimento privado no mercado imobiliário, em particular a “Lei do Arrendamento”, a “Lei dos Residentes Não Habituais” e dos “Visa Gold”.

O Novo Regime de Arrendamento, promulgado em 2012, imposto pela Troika e subordinado aos interesses da propriedade, veio liberalizar ainda mais o arrendamento, aumentar o poder dos senhorios, atualizar excessivamente as rendas e facilitar os despejos, levando à expulsão de muitos habitantes e ao encerramento de atividades económicas, sociais e culturais.

O “Regime Fiscal para Residentes Não Habituais” e o “Golden Visa Portugal” (Visto de Residência para os chamados Investidores) por sua vez, contribuíram significativamente para a intensificação da especulação imobiliária. O primeiro é destinado a cidadãos europeus comunitários com capacidade económica elevada. O segundo é destinado a cidadãos de outros países e autoriza-lhes residência para exercerem atividades de investimento, nomeadamente a transferência de capitais, criação de emprego e compra de imóveis. Em ambos os casos beneficia os cidadãos estrangeiros com grandes reduções e mesmo isenções de impostos, introduzindo desigualdade entre estes beneficiados pelas promoções e saldos fiscais e os residentes permanentes, portugueses ou estrangeiros, que não têm quaisquer benefícios fiscais.

Esta subida dos preços da habitação tem ocorrido em quase todo o país. Tal facto já alarmou o Fundo Monetário Internacional que alertou para o risco de nova bolha imobiliária e para mais endividamento público e privado. Sabemos que a Organização das Nações Unidas considera a habitação uma urgência global na luta contra as desigualdades e lançou a Nova Agenda Urbana. A função social da habitação e o direito à habitação, previsto na Constituição e na Lei são, para nós, questões da maior premência.

A nível da cidade de Lisboa a manter-se a oferta insuficiente e a excessiva subida nos preços na habitação - exponenciada no centro histórico e a alastrar por toda a cidade - continuaremos a assistir à perda de população, ao despovoamento, ao decréscimo dos jovens, ao fenecimento de múltiplas comunidades que dão cor e vida à cidade. A prática que está a ser seguida pelo Governo e pelo Município mostra-se contraditória, e mesmo inversa ao discurso oficial, porque não é concordante com as necessidades de uma cidade capital, que se pretende habitada, plural e diversificada, uma cidade para ser vivida por todos e não apenas aceleradamente consumida por alguns.

Os Signatários, reunidos nesta Carta Aberta, expressam a sua profunda preocupação com a atual política habitacional que está a aprofundar as desigualdades socio-territoriais, a expulsar um grande número de famílias para as periferias e a tornar o acesso à habitação nas áreas centrais das cidades um privilégio dos mais ricos, a gerar desequilíbrios urbanos e a potenciar conflitos sociais, que é negativa para o desenvolvimento económico por ser excessivamente dependente da especulação imobiliária e do turismo.

Reconhecemos e não questionamos a importância e o interesse estratégico da Indústria do Turismo para a economia do país e da cidade. Sublinhamos que a atividade turística não pode decorrer de uma situação meramente conjuntural, devendo ser planeada sob uma visão sustentável e integrada. Entendemos que o risco de uma carga turística desregrada, intensa e tendencialmente excessiva, e a exploração intensiva e não planeada de um território, são geradores de insustentabilidade e, a curto prazo, podem mesmo revelar-se destruidores.

Consideramos inadiável que se regre, se controle e se equilibre o uso temporário e de curto prazo da habitação para efeitos turísticos e se apoie e se dinamize o alojamento permanente.

Fazemos notar que noutras cidades, na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, se vivem situações idênticas mas onde os respectivos governantes tomaram já medidas diversas em defesa da vida das cidades e dos cidadãos.

Os Signatários consideram indispensável a adoção urgente de uma política nacional e municipal de habitação que favoreça e dinamize o arrendamento, público e privado, com direitos e deveres, com segurança e estabilidade, incentive a colocação no mercado de propriedades devolutas (incluindo o património do Estado e dos Municípios), estabeleça parcerias diversas com os setores privado e social, crie mecanismos de controlo das rendas através de uma política fiscal adequada tendo em conta a função social do arrendamento e dificulte e impeça os despejos sem assegurar o realojamento dos residentes.

Entendemos que é necessária uma nova política de habitação e de ordenamento do território, uma Lei de Bases da Habitação, uma política fiscal diferenciadora dos vários usos da habitação.

Declaramo-nos empenhados na intervenção cívica, na discussão e elaboração de propostas com vista a uma política pública transparente e colaborativa, acompanhada e participada pelos cidadãos, e a criar uma plataforma com vista a juntar vontades, ideias e dinâmicas.

Consideramos urgente lançar um outro paradigma de desenvolvimento de Lisboa como um território partilhado, socialmente diversificado, dando prioridade ao equilíbrio económico e social, à igualdade e coesão, ao acesso à habitação, à multiplicidade de usos, ao espaço público, à mobilidade, à conservação do património, à promoção da cultura e do desporto, à convivência cívica e à participação cidadã.

Consideramos urgente e imprescindível colocar e manter na primeira linha da agenda política nacional o tema da HABITAÇÃO.
Gentrificação: Processo de valorização imobiliária de uma zona urbana, geralmente acompanhada da deslocação dos residentes com menor poder económico para outro local e da entrada de residentes com maior poder económico.

Janeiro de 2017

Os signatários,

 

ORGANIZAÇÕES

Academia Cidadã
ACCL - Associação das Colectividades do Concelho de Lisboa
AIL - Associação dos Inquilinos Lisbonenses, CRL
APAF - Associação Portuguesa de Arte Fotográfica
APPA - Associação do Património e da População de Alfama
APRUPP - Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Defesa do Património
Aqui Mora Gente
APRI - Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos dos Olivais
Artéria - Humanizing Arquitecture
Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis
Associação Habita - pelo Direito à Habitação e à Cidade
Associação Renovar a Mouraria
Atelier Mob - Arquitectura Design e Urbanismo, Lda.
A Voz do Operário
BADL - Bairros Associação de Desenvolvimento Local
c.e.m. - centro em movimento
Cooperativa Trabalhar com os 99%, Crl
Cooperativa Fruta Feia
FAZ - Fundo de Arquitectura Social
FrameColectivo
Gaia - Grupo de Acção e Intervenção Ambiental
GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos
GEOTA - Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente
GESTUAL - Grupo de Estudos Sócio-Territoriais, Urbanos e de Acão Local da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa
InterReformados - CGTP
Largo Residências
LeftHandRotation
Lusitano Clube
Movimento "Quem vai poder Morar em Lisboa"
PAR - Respostas Sociais
Pátio Ambulante
Plano Lisboa
Sociedade Boa União
SPGL - Sindicato dos Professores da Grande Lisboa
Transparência e Integridade (Transparency International Portugal)
União dos Sindicatos de Lisboa
Vizinhos de Arroios
Vizinhos do Areeiro

 

INDIVIDUAIS

Agustín Cocola Gant - Investigador, CEG/IGOT-UL
Aitor Varea Oro, arquiteto, Habitar Porto
Ana Estevens - Investigadora, CEG/IGOT-UL
Ana Fani Alessandri Carlos - Geógrafa, Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
André Carmo - Geógrafo, CEG/IGOT-UL
Beatriz Padilla - Socióloga e Politóloga, CIES-IUL​
Daniel Malet Calvo - Antropólogo, CIES-IUL
Eduardo Ascensão - Geógrafo, CEG-IGOT/UL
Fabiana Pavel - Arquiteta, GESTUAL, FAUL
Fernando Nunes da Silva - Professor Catedrático, Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa
Gonçalo Antunes, Geógrafo, CICS.Nova/Nova FCSH
Helena Barranha - Arquiteta, Prof IST-UL
Isabel Guerra - Socióloga, DINÂMIA'CET-IUL
Isabel Simões Raposo - Arquiteta, Prof. Associada FAUL/Coord. GESTUAL
Joana Braga, arquiteta, DINAMIA'CET-IUL
João Cabral - Arquiteto, FAUL
Jorge Gonçalves - Geógrafo, Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa
Jorge Malheiros - Geógrafo, CEG/IGOT-UL
Júlio Teles Grilo - Arquiteto
Junia Ferrari de Lima - Professora Adjunta, EA-UFMG
Katia da Costa Bezerra, Professor of Cultural Studies/Urban Studies, University of Arizona
Linda Gondim - Coordenadora do Laboratório de Estudos da Cidade da Universidade Federal do Ceará
Luís Mendes - Geógrafo, CEG/IGOT-UL
Manuel Graça Dias - Arquiteto
Márcio Valença - Arquiteto, Professor Titular do Departamento de Políticas Públicas, UFRN
Margarida Pereira - Geógrafa, CICS.NOVA, FCSH-UNL
Maria João Pereira Neto - Professora Auxiliar, FAUL
Maria Manuela Mendes - Socióloga, CIAUD/FAUL​, ISCTE-IUL, CIES-IUL
Marina Carreiras - Arquiteta, CEG/IGOT-UL
Nuno Arenga - Arquiteto, Professor FAUL
Nuno Grande - Arquiteto
Patrícia Pereira - Investigadora, CICS, NOVA-FSCH-UNL
Paula Morais, Arquitecta Bartlett School of Planning – UCL, London
Paulo Tormenta Pinto - Professor Aux. Dep. Arquitetura e Urbanismo/Escola Tecnologias e Arquitetura/ISCTE
Pedro Bingre - Professor Adjunto, IPC
Raquel Rolnik - Arquitecta e Urbanista, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Univ. de São Paulo
Rita Cachado - Antropóloga, CIES-IUL
Rita Raposo - Socióloga, SOCIUS, ISEG-UL
Sílvia Jorge, arquiteta, investigadora do Gestual
Simone Tulumello - Investigador, ICS
Sofia Neuparth - Investigadora Artística nos estudos do Corpo e do Movimento, c.e.m
Sónia Alves - Geógrafa, ICS
Sonia Arbaci, Arquitecta, Bartlett School of Planning - UCL, London
Susana Mourão - Socióloga, CME
Teresa Barata Salgueiro - Geógrafa, CEG/IGOT-UL​
Tiago Chaves - Antropológo, ISCTE
Vítor Matias Ferreira - Sociólogo, DINÂMIA'CET-IUL
Yves Cabannes – Emeritus Professor of Development Planning e comité assessor do CIAUD/FAUL


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